O projeto “Outras Pessoas” se encontra em construção, sendo uma plataforma de compartilhamento de experiências, um exercício contínuo de empatia. Os participantes anônimos enviam seu texto acompanhado de uma foto, que será mais tarde ilustrado por mim e compartilhado nas redes sociais. 
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The "Outras Pessoas” (other persons) project is under construction, as a platform for sharing experiences, a continuous exercise of empathy. The anonymous participants send their text accompanied by a photo, which will later be illustrated by myself, and shared in social social.
"Quando eu era criança, adorava tudo que era coisa rosa, peluciada e brilhosa. Era vaidosa, mantinha meu cabelo impecável e sempre estava arrumadinha para ir pra aula, levando broncas da minha mãe por estar exagerando. Eu era algo como uma líder patricinha, de uma fase em que as meninas e meninos andavam separados, mas já começavam aqueles pequenos “crushs” infantis. Enquanto minha amiguinhas já estavam começando a olhar os meninos e visse versa, eu não conseguia ter interesse por eles, mas achava que era só uma questão de idade. Toda emperequetada, chamava atenção deles, que ficavam mandando bilhetinhos e indiretas, mas o fato era: eu não tinha o menor interesse por rapazes e eu era estranha por isso.

Já adolescente, meus hormônios começavam a borbulhar e eu tinha sonhos confusos e meio eróticos envolvendo outras moças, mas fingia não entender o que se passava. A puberdade estava ali e contra tudo que eu queria, a coisa se tornou real e eu estava me sentindo atraída por uma amiga. Eu não sabia muito bem o que fazer, então por via das dúvidas não fiz nada. Mantive a paixãozinha ali guardada, e aos 16 anos fiquei pela primeira vez com um rapaz, por pressão geral. Foi tão ruim, mas mesmo assim quando saía continuava a ficar com outros meninos, porque parecia o fluxo normal a seguir. Eu era, e ainda sou, aquela “menina padrão”. Quando maquiada e vestida para festas, chamava muita atenção dos homens, o que só me angustiava. Seguia ficando com rapazes, mas a agonia só aumentava.

E uma festinha qualquer, já na faculdade, que eu fiquei pela primeira vez com uma moça e comecei a explorar minha sexualidade. No começo, eu me amassava meio escondida, tentando passar despercebida. Demorou um bom tempo para eu assumir para mim mesma que era lésbica, quem dirá para amigos e familiares. Quando resolvi contar, a resposta era unânime: mas você é tão feminina, deve ser só uma fase. O que diabos uma coisa tem haver com a outra, eu respondia indignada! Alguns levavam numa boa, outras amigas se afastaram, com certo receio de que eu desse em cima delas, eu imagino. 

Quando contei para minha mãe, ela ficou inconformada. Meu pai também ficou confuso com a situação, mas resolveram ambos ignorar minha revelação, como se nada tivesse mudado - só que tinha. Toda moça que eu levava para casa era fuzilada com os olhos e havia um clima de desconfiança sobre minhas amigas, como se todos fossem possíveis parceiras. Ao apresentar por fim uma namorada, o clima só piorou, e logo se tornou insustentável. Ao me formar em contabilidade, saí de casa e me libertei dessa tensão diária, mas até hoje ainda se referem à minha namorada, comigo há mais de 7 anos, como a amiga que mora comigo. 

Hoje construí minha vida e uma família, cercada de pessoas que me fazem bem, e posso dizer que sou muito feliz. Ainda espero que um dia meus pais amadureçam o suficiente para me aceitar e entender como essa é uma parte importante do que sou, para podermos voltar a conviver em paz."


“Faz 4 anos que eu tenho depressão clinicamente constatada, mas é um mal que parece me acompanhar desde a adolescência. Entre os sintomas e o diagnóstico, lá se foram 15 anos tentando ignorar o que eu sentia, sem sucesso. A cada crise, eu entrava num ciclo de pensamentos autodepreciativos, entendendo que meus sentimentos eram uma grande fraqueza. Aos 16 anos, mal e apático, fui arrastado do meu quarto pelo meu pai, que com ameaças de surra, me mandou ‘parar de frescura’ e começar a ser ‘homem de verdade’. Minha mãe se interpôs, mas ela tinha pouca força para enfrentar meu pai, depois de anos se sujeitando ao senhor da família. Aquilo me magoou infinitamente, eu segui questionando minha sexualidade, por relacionar emotividade com homossexualidade. Sei hoje que não faz o menor sentido, mas meu meio reforçava essa crença.

Entrei e saí de relacionamentos em que eu tentava manter o papel de homem forte e provedor, disfarçando os momentos de tristeza. Isso afetava minha libido, que morria nesse caldeirão de autossabotagem. Pensei por anos em suicídio, mas sentia que não podia fazer isso com minha mãe e amigos, ao mesmo tempo que era admitir fraqueza para meu pai. Em um dos bons momentos, fiz uma grande amiga, que me deu abertura para enfim compartilhar tantas angustias, e foi como se uma porta se abrisse. Ela me ouviu com carinho e ainda hoje, quando sumo do mapa, vem ao meu encontro sem cobranças, mas para oferecer apoio. Sendo uma pessoa de mente aberta e questionadora, me mostrou que eu precisava de ajuda profissional, ajudando nesse importante primeiro passo. Falei sobre minha doença para minha mãe, que prontamente me apoiou no tratamento. Anos depois falei para meu pai, sem buscar apoio, mas porque me era importante essa exposição.

Ainda é difícil e nem sempre sinto que vou conseguir, mas as coisas estão muito mais estáveis. Agradeço ter hoje vários amigos que me apoiam e ajudam a ver além da minha própria criação machista, ampliando as possibilidades no meu futuro. Levo um dia de cada vez e sei que o importante é se reerguer a cada queda. Se você conhece uma pessoa que sofre desse mal, apoie-a, mesmo quando parece que ela não quer ninguém perto. Isso é uma doença real e a presença (sem julgamentos) de quem amamos é a chave para uma vida saudável.”

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